domingo, 22 de agosto de 2010

Nuances


''O amor tem que ser
espertinho
algo assim entre a malícia do desejo
E a inocência do carinho...''

(Luiz Poeta)*

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Aos 2 aninhos, eu gostava de batucar as panelas da minha vó ao som de Give It Away, do Red Hot Chilli Peppers. Isso consumiu todo meu tempo livre até que eu caísse na armadilha de me apaixonar pela primeira vez: o nome dele era Bruno, e ele só tinha uns insignificantes 13 anos a mais; aquilo não deu muito certo, afinal.

Achei que jamais amaria novamente, mas aí fiz 3 anos, ganhei um cachorro e fiz umas amiguinhas, e ficou tudo numa boa. Até que uma destas novas amiguinhas começou a afanar minhas chupetas. Eu odiava ser passada pra trás, então comecei a fazer o mesmo com ela. No final de um ano, eu tinha uma coleção de 25 chupetas como prova de que ninguém me passava à perna. E continuamos tão amigas quanto antes.

Nesta época, como boa mulher bem resolvida, arranjei um namorado; ele gostava muito de caminhões. Só que às vezes eu me cansava um pouco de falar sobre caminhões, daí, arranjei outro namorado, pra pintar de gizão de cera comigo, já que desde muito criança eu tinha uma designer dentro de mim. Detalhe: eu continuei com o primeiro também. Naturalmente, depois de algum tempo, eu aprendi que isso não era muito recomendável.

Aos 6 anos, eu estava mais sossegada, começando a curtir uns lances mais artísticos mesmo; desiludida com a fase contemporânea dos Red Hot Chilli Peppers, eu descobri uma nova paixão musical. Minha música preferida; Santeria. Naturalmente, fui crescendo e esqueci a música, e a história de como ela retornou a minha vida é bastante interessante, tanto que fica pra uma próxima vez, que é pra eu poder contar direito.

Nesta fase mudei para um apartamento, doei meu cachorro e tive momentos de total crise existencial. Mas aí me deram um gato (engraçado como eu me curava facilmente de traumas criando animais...impressionante!!) e eu acabei me adaptando bem a nova situação.

Daí fui crescendo, tendo ao meu lado algumas das melhores pessoas que qualquer um desejaria ter por perto, e tendo a certeza de que estava muito bem assistida pela Pessoa mais importante que todos temos em nós.

Durante toda a minha infância e posteriormente adolescência, eu sempre fui assim; doce como uma paçoca. Meiga, mas de personalidade forte. Assim...agridoce, chocolate com pimenta. E descobri que minha personalidade não resiste a frase ‘’Eu Duvido’’; isso porque descobri minhas polaridades, os nuances que fazem de mim a pessoa que eu sou.


Nem sempre pude ser a pessoa que as outras pessoas esperavam que eu fosse; muitas vezes desejei ser igual, quando na verdade, eu era diferente. Mesmo hoje, adulta e segura de mim, já quis ser mais...normal. Foi quando descobri que o normal não faz história.

E esta é minha mensagem de hoje. Ir além da normalidade. Permitir-se pequenas bipolaridades que fazem de você um indivíduo singular. Fazer história com a sua própria história.

Permitir-se escutar reggae no escritório, molhar a batatinha no sorvete, cozinhar ouvindo Lady Gaga, jogar damas no msn com a prima enquanto discute aquele seu puta problema amoroso com a amiga na janela ao lado, assumir sua história e suas origens, rir de bobagens, tomar atitudes, ser modelo de amigas fotógrafas (e se orgulhar do resultado), beijar por que gosta; falar o que pensa, usar salto alto e gostar de pisar descalça na grama, ou se maquiar assistindo futebol.


Sim. Eu sou adepta de todas essas ''esquisitices''.


Como já dizia Raul: ''Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.''


Quem disse que bipolaridade tem que ser doença?

Quem disse que precisamos passar sempre no psicotécnico?


De perto, NINGUÉM é normal.


(Débora Magno)


*achei este poeminha bem adequado pro texto de hoje, porque não existe nada mais cheio de nuances do que os nossos sentimentos; quis postá-lo aqui também por me identificar bastante com ele.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Respeitável Público


Respeitável público!!!

Já dizia João Bosco:

‘’A esperança dança na corda bamba de sombrinha...’’

Frente a tanta vida e tanta acrobacia,
De menina aprendi a dançar na corda bamba,
De rosa, de ponta, como fosse bailarina...

Mas eu queria mais...

Inconseqüente, aprendi a emoção de um salto mortal!

Em fino liganete, assisti de cabeça pra baixo,
O show do malabarista...

Claves iluminadas brilhavam no fundo dos meus olhos,
Quando bambas, minhas pernas soltaram o liganete!

Eu estava caindo sem rede de proteção,
Mais uma clave descendo em direção ao malabarista...

Abri os olhos pintados de estrelas antes de tocar o picadeiro!

No entanto os demais malabares foram ao chão...

O circo pegou fogo!

Em meio à correria perderam-se figurinos, lantejoulas, paetês...
Mas, uma vez longe do fogo, os palhaços ainda riam.

Quanto a mim, aprendi com o malabarista a ter nas mãos
o controle da minha vida...

Em troca...

Ensinei-o a fechar os olhos... E saltar.

Afinal, somos mortais.


(Débora Magno – 21/06/2010)

Pink – Sober ♪

"Gostamos de correr riscos. É parte do que somos. Toda vez que entramos numa zona de conforto damos um jeito de sair. Sentir-se confortável num negócio como o nosso é muito, muito perigoso".
(Daniel Lamarre, presidente do Cirque du Soleil)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Rosa Dourada*

*texto já publicado anteriormente no blog ''Loucura é Não Viver a Realidade'' em 20/04/2010.

Certa vez, há muito tempo atrás, realizou-se na Inglaterra um grande Congresso Científico, que reuniu as mais brilhantes mentes da época numa grande troca de experiências. Eram médicos, físicos, químicos, botânicos, biólogos, psicólogos e todos os tipos de inventores ou descobridores dos mais curiosos, aos mais céticos.

Corria pelo Congresso, a notícia de que um famoso botânico, vindo diretamente de Paris, estaria expondo a mais bela experiência científica já presenciada todos os sábios e por todos os tolos que assistiam aquele espetáculo racional da Ciência.

Eis que chega o velho botânico, com sua equipe de ajudantes, trazendo uma bela redoma de vidro na qual uma única rosa, dourada como ouro puro e brilhante como estrelas, resplandecia aos olhos daqueles que abriam caminho para o grande cientista, que caminhava reoluto em direção ao palco improvisado para a apresentação de sua experiência. Era perceptível o orgulho que o velho botânico sentia de si mesmo. Mas é claro, pensava ele, era merecido. Depois de anos tendo seu simples trabalho ignorado pelas correntes mais radicais da Ciência, ele finalmente provaria que merecia todo e qualquer crédito por ser o melhor, um mestre ousado de uma ciência totalmente nova.

Todos os cientistas e espectadores reuniram-se ao redor do palanque num silêncio estarrecido, seus olhos na bela rosa, enorme, repolhuda, dourada como guinéus**.

- Eis aqui minha experiência! - exclamou o velho botânico - Ousada, revolucionária...bela.

O cientista apontou com seus dedos para a parte mais inferior da grande redoma, onde um líquido púrpura parecia alimentar a rosa. Depois explicou, em sua linguagem científica, floreada e orgulhosa, que aquela rosa tinha sido drenada de toda sua seiva natural, e era alimentada pelo surpreendente líquido púrpura, que modificava instantaneamente a estrutura genética da planta.

E então, um jovem rapaz, ao fundo da pláteia, ergueu a mão num gesto de dúvida.

- Sim, meu rapaz? - atendeu o botânico.

- O que aconteceria se retirássemos a rosa da redoma?

- Ela morreria, talvez em questão de segundos. Mas enquanto no vidro, ela poderá durar a eternidade, se assim quisermos - respondeu o botânico, cheio de si.

- E quanto ao aroma, mantém se o mesmo? - tornou o jovem.

- Ahn... na verdade não. - respondeu o velho cientista, começando a perturbar-se com as perguntas impertinentes do jovem rapaz - a modificação genética faz com que a flor perca a essência original.

- Então, a flor não tem perfume? - perguntou o rapaz.

- Não...- respondeu o velho, ligeiramente encabulado - durante a experiência, o único odor que pudemos perceber foi algo parecido com álcool...os compostos utilizados para a confecção do...

O rapz interrompeu o velho cientista, causando revolta entre os mais velhos da comunidade. Mesmo assim, continuou:

- O senhor pensa que algum dia será possível ter uma criação de rosas assim?

O velho sentiu-se melhor com a pergunta:

- Sim, claro. Seria possível! É claro que necessitariamos de uma estufa bastante equipada para receber canais de irrigação e outras coisas, mas sim, seria bastante possível.

E então, sabiamente, o rapaz tornou:

- E para o que o senhor criaria rosas assim? Pelo que entendi, as condições de vida delas são bastante limitadas, uma rosa comum resistiria a mais impactos do que...

O cientista gaguejou:

- A longo prazo talvez, possamos...estender seu tempo de vida, ganhar para elas maior resistência...

O rapaz tornava-se o centro das atenções dentre a multidão:

- E o que mais elas perderiam em busca dessa resistência? Além do odor, quero dizer...

O cientista estava perplexo:

- Olhe, meu rapaz! Penso que sou eu o botânico nesta sala...

- Certamente é o que nos foi dito, senhor.

- E você? - perguntou o cientista com desdém - O que é?

- Sou poeta, senhor. E penso que se o senhor criou uma flor que jamais poderá ser ofertada a uma mulher, que jamais poderá perfumar um baile de bodas, e que somente sobreviverá única e eternamente de sua beleza artificial sem que jamais traga alegria àquele que não a puder possuir aprisionada, o senhor jamais criou uma flor. O que me leva a crer que o senhor não é mais um botânico.

E naquele momento, dentre o silêncio chocado de mais de quinhentas pessoas, o velho botânico, cuja metade dos anos foi gasta tentando achar aquele momento mágico em sua ciência que surpreendesse aqueles que faziam pouco dela, percebeu que tinha realmente esquecido o sentido de ser o que era. E que tinha esquecido o que era uma rosa.

Delicada, viva. Perfumada. De uma beleza natural que não necessitava ser modificada ou melhorada, pois que nenhuma era igual a outra, e nem deveria ser. Dentre uma estufa de rosas douradas e vazias, apenas uma simples e espontânea rosa vermelha traria alegria em um botão, essência a um convite, resistência a um inverno.

E no ano seguinte, após um delicado trabalho de reversão da experiência, o botânico apresentou uma simples rosa vermelha, saída da bela roseira que segundo ele fora plantada por ele mesmo em sua casa, a partir da rosa desintoxicada do experimento químico do ano anterior. Ofereceu a rosa vermelha a sua mulher, que na platéia de mais de mil pessoas, sorria emocionada.

(Débora Magno)
♪ Vanilla Twilight - Owl City ♪
♪ Claire de Lune - Debussy ♪


** Guinéus foi uma moeda de ouro Britânica.

Este texto realmente significa muito pra mim.