terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Tempo (Envelhecer...)


''Viver significa ir em direção à morte. Nesse caminho topava-se com coisas que obstruíam a passagem. Essas coisas chamadas de 'problemas' tinham de ser consequentemente retiradas da frente. Viver significava então resolver problemas para poder morrer. ''


(Vilém Flusser, filósofo tcheco)

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O homem primitivo não conhecia o tempo; conhecia as marés, as fases da lua, as estações do ano.

Conhecia o nascer e o por-do-sol, sem contabilizar, no entanto, as unidades de tempo entremeadas a estes eventos espetaculares; os dias vinham e terminavam da mesma forma: seus afazeres dependiam da luz, e à chegada das trevas, seu tempo terminava. Seus anos chegavam e os deixavam sem queima de fogos, e suas as vidas nasciam e morriam sem aniversários.

Este homem envelhecia sem a consciência numérica do envelhecimento; sabia-se velho quando já não podia caçar ou arar a própria terra, quando já não produzia descendentes ou quando lhe falhavam as funções básicas. Enquanto não fosse vítima de nenhum destes revezes, pouca diferença lhe faziam os anos a mais ou a menos; seguia caçando, e se reproduzindo até que ''chegasse o seu tempo.''

Mas um dia...um dia este homem aprendeu a contar o tempo. Decidiu que seu dia precisava de horas e que durante cada uma dessas ele organizaria seu trabalho. Decidiu que sua vida precisava de anos, e que em cada ano ele focaria sua atenção em metas que desejava ver cumpridas. Decidiu que seus anos precisavam de propósitos e que a cada novo ano, amadurecia a fim de chegar à morte com bom aproveitamento.

Decidiu que as 13 anos era tempo de deixar as brincadeiras;
que aos 15 o trabalho era fundamental;
e que aos 18 era hora de servir ao país;
para aos 21 tornar-se um homem convicto.

Decidiu que aos 25 deveria ter completo juízo;
para aos 30 - no máximo!!- constituir família.
Aos 35 deveria já ter ao menos o ínicio de seu sucesso como genitor,
para aos 45, se eventualmente sua esposa já não procriasse, ter perpetuado seu sangue.
E então, aos 50, deveria iniciar-se sua preparação para a velhice
para que a hora imprevisível não o pegasse totalmente desprevenido.

E este homem caminhava então, lento e resoluto, em direção à morte.
Cada minuto que ganhava para si, era um minuto que perdia para a vida.

Como numa imensa ampulheta, a vida se esvaía continuamente até que o último grão, a exemplo de todos os demais, deixasse a vida em direção ao fim da contagem.

E tal como acontece ao prendermos nossa atenção a uma imensa ampulheta, cuja única função é esvair o tempo, este homem encontrou-se entediado. Triste, ressentido. Ora, se nós, os homens de hoje, não consideramos uma frustrante perda de tempo acompanhar aquilo que jamais alterará de curso?

Também aquele homem de quem o relógio fora um dia aliado, passou a achar que seu tempo se esvaía sem propósito; não conhecia nem um terço das províncias de seu país, não lia ainda nem o segundo volume de todo o conhecimento. Sabia de poucos indivíduos, de poucas histórias, de poucas soluções.

Tratava somente de seu tempo. De seus problemas, estes obstáculos ingratos em seu caminho a morte.
E porque caminhar em direção ao fim? O que o fim lhe reservaria, afinal? Ele não sabia.
Os anos a mais passaram a ser sinônimo de anos a menos; ou, diria melhor, de tempo a menos.

Menos tempo teria até que fosse chegada a maturidade;
menos tempo até que suas responsabilidades lhe roubassem a leveza de viver.
Menos tempo até que o casamento e os filhos representassem para ele ainda outras responsabilidades,
para as quais muitas vezes não sentia-se pronto.
Menos tempo até que a morte levasse suas oportunidades de ver tudo aquilo que ele desejava ver.

Se o homem moderno ainda teme a morte, saliento que não há final mais lento e doloroso, do que a vazão constante e contínua da própria vida.
Nenhuma doença nos paralisa mais, e nenhum acidente nos limita tanto, do que conformismo que muitas vezes nos arrebata frente a chegada e a partida dos anos.

O homem primitivo não fazia aniversário. Podia passar a vida sem saber com quantos anos havia andado, falado, ou amadurecido. Podia nunca aperceber-se de que havia uma idade certa para trabalhar, casar-se ou procriar. E no entanto, a natureza regrava seu comportamento para que quando fosse chegado o momento da morte, este homem tivesse cumprido aquilo que lhe era destinado cumprir. Que importava se este homem viesse a desposar uma mulher 10 anos mais nova? Também o amor fora traído pelo tempo!

Não sei como concluir este texto. Deixo em aberto para que cada um tire suas próprias conclusões.
Não sei ainda que peso tem envelhecer; só sei que nunca gostei de ver o tempo passar.

Quando já não conseguia me enxergar seguindo o ritmo da maioria das pessoas da minha idade, passei a procurar amigos e companheiros mais velhos; alguns metódicos seguidores do tempo certo já afirmam que estou atrasada em qualquer coisa.

''Mas já está na hora, hein!!" Mas será que está?
E se estivesse...? Tal como as marés ou as fases da lua, aquele momento não aconteceria simplesmente de forma...natural?

Pra mim, o melhor tempo é aquele onde não há pressa nem conformismo. Ainda que eu ainda seja um pouquinho ansiosa, sei que cada minuto que passa segue sendo um minuto a menos. E eu ainda quero admirar as paisagens ao longo do meu caminho...

(Débora Magno, 29 de setembro de 2010, às 01:47 a.m)



''Evite a impaciência. Você já viveu séculos incontáveis, e está diante de milênios sem fim.''

(André Luiz, ícone do movimento espírita)


Ao som de:

'' Claire de Lune'' - Claude Debussy (sou nova demais pra música clássica? rs)


Este foi quase...''sob encomenda'' rs...sigam acompanhando o blog!
beijos