Eu sou de 1989, portanto admito ter passado minha infância assistindo desenhos como ''Cavalo de Fogo'', ''She-ra'' (vocês não imaginam a paciência que minha mãe teve durante meses, tentando me fazer desistir de pintar o cabelo de loiro, verdade vergonhosa, eu sei!), ''He-man'', e é claro, ''Os Ursinhos Carinhosos''.
Vou ser sincera com vocês e confessar que não me lembro de detalhes do desenho; a única coisa que me fez pesquisar e escrever sobre ele foi o Malvado. Lembram do Malvado?

Enquanto os Ursinhos disseminavam alegria, amizade, amor e outras virtudes, o Malvado, influenciado pelo sombrio Coração Gelado e sua sobrinha Laurinha, tinha como missão espalhar entre as crianças a tristeza e a maldade. Era uma criaturinha engraçada; seus planos diabólicos nunca davam certo, e mesmo quando a culpa não era sua, era ele quem levava a pior. Seu bordão: ''Tudo que é mau é bom.''
Acontece de interessante, que ele não era assim tão Malvado; como um Ursinho que não tinha dado certo, ele tinha algo de bons sentimentos. Seu jeito estabanado era quase infantil; tanto não tinha jeito para a crueldade que sempre punha a perder todas armadilhas que ele mesmo armava contra os Ursinhos.
Lembro vagamente de um episódio em que os Ursinhos salvam o Malvado de uma de suas próprias maldades, que para variar, havia dado errado.
O bichinho se enternece todo, mas no episódio seguinte, lá está ele armando de novo para sequestrar os Ursinhos Bebês.
É claro que, para a continuidade da série, era imprescindível que o coraçãozinho ainda meio bagunçado do Malvado seguisse bagunçado, e que ele tornasse a aprontar das suas. Era, afinal, o que conferia graça ao programa.
Mas esta essência humana do bichinho é que me intriga. O que diferenciava o Malvado do Sonho, da Doçura ou do Valente? Existem especulações a respeito: Malvado tinha medo do amor; ele nunca havia sido amado, não entendia a natureza daquele sentimento. Sempre fora destratado, considerado ''fraco e inútil'' por seu mestre; suas atitudes maléficas afastaram dele todas as outras companhias.
O Malvado até poderia ser um Ursinho Carinhoso, mas se comprazia na maldade, por desconhecer qualquer outro caminho.
Tinha também uma outra questão: por jamais ter conhecido o amor e os outros bons sentimentos, pensava que estes lhe eram dispensáveis, e que exigiam responsabilidades que ele julgava não possuir. Por esta razão, a criaturinha não contabilizava vantagens no bem que lhe era feito: a bondade era cheia de regras que acabariam pondo fim à toda a diversão. Ironicamente, Malvado não se divertia nada, enquanto os chatos e moralistas Ursinhos Carinhosos desciam no escorrega de arco-íris.
Para aquele que foi acostumado ao mau, o bem parece mesmo, pelo menos assim de início, algo meio complicado e ligeiramente monótono. Isso não significa, no entanto. que aquele que foi acostumado ao mau deve, via de regra seguir insensível. Notem que para o Malvado, a maldade custava muito mais saúde do que a bondade; e aquela história de ''tudo que é mau é bom'' ia pro saco rapidinho!
Também com alguns seres humanos a coisa funciona exatamente da mesma forma.
Estamos cercados por ''Malvados''; gente que se compraz no mau, embora nem tão maus sejam os seus sentimentos. Até nós mesmos podemos agir à maneira do vilãozinho, quando nos achamos insatisfeitos com a vida que vivemos. Quem nunca teve a desagradável sensação de que o bonzinho só toma, enquantos os maus estão aí, aparentemente felizes?
O cara cafajeste sai com todas as garotas bonitas, enquanto o bonzinho está sozinho.
A menina dita ''fácil'' tem enorme visibilidade na mídia, como na vida real, enquanto a boazinha passa despercebida, ou pior, passa por chata, frígida.
O seu colega de trabalho inescrupuloso consegue uma promoção, o bonzinho consegue apenas mais trabalho e um olhar indiferente do chefe.
''Tudo que é mau, é bom, né?''
Dá até vontade de ser mau também. De ser Malvado.
Só que vai lá, tenta: não vai dar certo.
Todos os seus planos de maldade vão se virar contra você, que acabará salvo pelo bonzinho e todo derretido. Ainda que volte a cometer suas malvadezas amadoras, você estará certo de que afinal, ''o bem não é assim tão mau.''
E de que aquela chatisse que você enxergava no bonzinho era na verdade coisa da sua cabeça. A maldade não é assim tão gloriosa quanto dizem.
Você acha que o bonzinho só se ferra? Experimente ser o Malvado, o pobre Malvado, fraco, inútil e carregado de culpas, mesmo aquelas que ele não tem. Experimente ser fadado a ser algo que você não é, durante uma vida inteira. Experimente o peso da frieza das outras pessoas que você acabará atraindo para si; todos os outros se afastarão.
Amor sem Fim, Carinho, Sonho, Ternura, Doçura... coisa de gente careta, de Ursinho Carinhoso, que não leva a nada?
Era o que pensava o Malvado também.
O pobre, fraco, inútil e culpado Malvado, que via na falta de sentimentos uma solução para seus problemas.
(Débora Magno)